RICARDO FREIRE VASCONCELLOS Advogado criminalista,
pós-graduado em direito penal e direito processual penal. Mestrando em direito
pela Universidade Católica de Brasília. Professor de direito penal e direito
processual penal na Universidade Gama Filho, Instituto Educacional Superior Paulo
Martins e Universidade Católica de Brasília. Coordenador dos Estudos de Direito
Processual Penal e de Área dos Cursos à Distância (ESA/DF). Presidente da
Sub-comissão de Direito Penal da Comissão de Direitos Humanos (OAB/DF).
Advogado associado ao Escritório Bulhões& Advogados Associados S/S, que
representa o Governo da Itália nos autos de extradição de Cesare Battisti
perante o STF, assessorando o jurista Nabor Bulhões.
16/10/2011
09h08
Estudo penal - Crime de
Tortura – Lei 9.455/97 Tipificação e estudo de caso: HC 169.379/SP
Tortura é a imposição de dor física ou
psicológica apenas por prazer, crueldade. Como pode ser entendida também como
uma forma de intimidação, ou meio utilizado para obtenção de uma confissão ou
alguma informação importante.
O que,
não necessariamente, é elemento do tipo penal para sua caracterização.
É delito
imprescritível. Inafiançável, não sujeito a graça e anistia como dispõe o
Artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal.
A tortura
também está incursa no Artigo 2º I e II da lei de crimes Hediondos da qual
acresceu-se ser a tortura vedada a concessão de indulto.
(observação Tortura é delito grave, mas não é crime hediondo). É delito
equiparado a crime hediondo.
A Lei 9.455/97 também prevê no artigo 1º § 6º que o
crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
A Tortura independente de seu objetivo final, ela subsiste apenas pelo
ato de se causar sofrimento a alguém
Convenção
das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes define tortura como
Artigo 1º
Para
fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer acto
pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira
pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de intimidar ou coagir
esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação
de qualquer natureza;
quando
tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu
consentimento ou aquiescência.
Não
se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência
unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas
decorram.
O
presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer
instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter
dispositivos de alcance mais amplo.
Diferença
entre tortura e maus tratos – a tortura há o dolo especifico de se causar
sofrimento independente de seu fim ou meio praticado.
Nos maus tratos incursos no artigo 136 do Código Penal o garante que
possui a guarda, autoridade ou poder sobre a vítima tem o fim de impor sua
autoridade para uma correição educacional, como forma de uma punição
disciplinar, ou fim de se impor.
A diferença da tipificação nos maus tratos é que este não faz o ato por
prazer de fazer a vitima sofrer e sim por abusar dos meios disciplinares de
conduta com o fim de punir a vítima.
A Tortura é uma violação de direitos humanos, afeta a integridade física,
psicológica e mental por estas razões viola o direito do cidadão de sua
integridade, de sua liberdade, de sua convivência social pacifica, e seu
direito a vida com dignidade humana.
De acordo
com a Lei 9.455, de 7
de abril de 1997, constitui crime de
Tortura:
"Constranger alguém com emprego de violência
ou grave ameaça, causando-lhe ‘sofrimento físico ou mental;
(...)
II Submeter
alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave
ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo".
Pena
- Reclusão - Pena de 2 a 8 anos.
Pelo
Código Penal o artigo 136 constitui crime de maus tratos –
Expor
a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para
fim de educação, ensino, tratamento ou custódia,
quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis,
quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de
correção ou disciplina.
Pena
– Detenção de 2 meses a 1 ano.
A tortura
está inscrita também na Lei 8.072/90 que é a Lei dos crimes Hediondos, mas não
é um crime Hediondo, a Tortura conjuntamente com o Tráfico de Drogas e o
Terrorismo, são crimes equiparados aos crimes hediondos, o que quer dizer, eles
possuem efeitos danosos tão graves ou similares aos crimes denominados
hediondos, mas não são hediondos, e sim equiparados aos mesmos.
§
1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em
regime fechado.
Analisa-se
agora uma decisão do STJ sobre o tema:
HABEAS CORPUS Nº 169.379 - SP (2010⁄0068974-9)
Rel. Min.
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR 6ª Turma
HABEAS CORPUS. CRIME DE TORTURA. LEI N. 9.455⁄1997. NULIDADES PROCESSUAIS.
COMPETÊNCIA POR PREVENÇÃO. NULIDADE RELATIVA. SÚMULA 706⁄STF.
TORTURA. SUJEITO ATIVO NA CONDIÇÃO DE GUARDA SOBRE AS VÍTIMAS. BABÁ EM
RELAÇÃO A MENORES ENTREGUES A SEUS CUIDADOS. DEFINIÇÃO JURÍDICA
DIVERSA, SEM IMPUTAÇÃO DE FATO NOVO. INCLUSÃO PELO ÓRGÃO JULGADOR
DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA DA
PENA E REGIMEPRISIONAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. A nulidade decorrente da inobservância da competência penal por
prevenção é relativa, entendimento consolidado na Súmula 706⁄STF.
2. Não configura nulidade a atribuição pelo órgão julgador de
definição jurídica diversa, sem imputação de fato
novo. Hipótese de inclusão da causa de aumento com base
nos fatos já narrados na peça acusatória.
3. A conduta da paciente enquadra-se no tipo penal previsto no art.
1º, II, § 4º, II, da Lei n. 9.455⁄1997. A
paciente possuía os atributos específicos para ser condenada
pela prática da conduta descrita no art. 1º, II, da Lei
n. 9.455⁄1997. Indubitável que o ato foi praticado por quem detinha
as crianças sob guarda, na condição de babá.
4. Ausência de ilegalidade na dosimetria da pena, fixada
a pena-base acima do mínimo legal, com a
devida fundamentação, consideradas as circunstâncias em que cometido
o crime contra as crianças, mediante mordidas e golpe com pedaço de pau.
5. A fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena
tem previsão na Lei n. 9.455⁄1997 (art.1º, § 7º) e também acolhida na
jurisprudência da Corte.
6. Ordem denegada.
Para a
defesa, a tortura seria crime que só poderia ser praticado por funcionário
público ou agente estatal.
O
eminente ministro Sebastião Reis Júnior divergiu. E corretamente afirma em seu
voto:,
“indubitável
que o ato foi praticado por quem detinha, sob guarda, os menores”, conduta que
se enquadra no tipo penal previsto no artigo 1º, II, da Lei 9.455/97.
A lei,
que define o crime de tortura, exige apenas que o agente tenha a vítima sob sua
guarda, poder ou autoridade, Não especificando que o poder tenha
de ser estatal.
Outro
ponto discutido foi sobre o emendatiolibelli, a defesa argüiu que havia
ocorrido um mutatiolibelliquando se aumentou a pena no Tribunal de São
Paulo
Com isso
a defesa alegou julgamento extra-petita por parte dos
desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo ato que geraria fato novo
exigindo aditamento da denúncia e novo prazo para defesa se manifestar.
O
eminente Ministro analisou e denegou o pedido dos advogados – analisemos o
fato:
O inciso
II do parágrafo 4º prevê aumento 1/6 a 1/3 da pena quando o crime é cometido
contra criança, adolescente, gestante, portador de deficiência ou maior de 60
anos.
Como
afirma o eminente Ministro - A denúncia registrou expressamente que o crime foi
cometido contra crianças de três e quatro anos.
“Assim,
não houve imputação de fato novo, foi apenas atribuída definição jurídica
diversa, com a inclusão da causa de aumento da pena, com base nos fatos já
narrados na peça acusatória, circunstância que configura emendatiolibelli,
razão por que se afasta o alegado prejuízo advindo à defesa”, concluiu o
eminente Ministro Sebastião Reis Junior.
No caso
em tela:
A Lei
11.719/08 (alterou o CPP)
O emendatiolibelli
está presente no Código de Processo Penal no artigo 383
O juiz, sem
modificar a descrição do fato contida na denúncia
ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda
que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
O mutatiolibelliestá
presente no Cpp artigo 384
Encerrada
a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em
conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a
denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido
instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o
aditamento, quando feito oralmente.
A
diferença em si do emendatiolibelli (emendar o libelo) e o mutatiolibelli(mudar
o libelo)
Encerrada a instrução
probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato,
em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração
penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar
a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta
houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a
termo o aditamento, quando feito oralmente.
No emendatioo
próprio nome em latim já afirma - emendar, correção da denúncia - sem que
para isso mude a classificação do crime, e não haja fato novo que mude a
classificação ou tipo penal o que não gera prejuízo a defesa – podendo o
próprio juiz emendar a denúncia mesmo que para isso tenha que aplicar pena mais
grave, ou seja, mesmo que possa agravar a pena.
No mutatiolibelli
– Mutatio– mudar – alterar - há nova definição jurídica, há visível
alteração da tipificação ou de elementos do crime que o tipificam de forma
diversa, causando prejuízo a defesa, neste caso o processo deve retornar ao
Ministério Público para que no prazo de 5 dias ou oralmente em sessão apresente
a nova definição jurídica e a tipificação almejada, assim, deve-se oferecer
oportunidade de novo contraditório a defesa, sob pena de nulidade de todos os
atos que não forem contraditados e gerarem prejuízo a defesa.
Entretanto,
a denúncia registrou expressamente que o crime foi cometido contra crianças de
três e quatro anos. “Assim, não houve imputação de fato novo, não houve,
no caso que se cuida, alteração da classificação ou tipo penal, e nem se quer,
prejuízo a defesa - vez que os eminentes desembargadores apenas
interpretaram a denúncia como foi apresentada e acresceram a agravante prevista
no artigo 1º, §4º inciso II da Lei 9.455/97.